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ESMAM ENTREVISTA | Judith Martins-Costa

26/06/2018

Com o apoio da Escola Superior da Magistratura do Maranhão, a professora Judith Martins-Costa lançou, em São Luís, nova edição do livro “A Boa Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação”.

A autora decidiu reescrever o livro editado em 2015, realizando uma nova análise do instituto da boa-fé objetiva, com ênfase na prática jurisprudencial, procurando estabelecer com maior precisão os seus contornos e os critérios para sua aplicação, alertando sobre os perigos da “superinvocação da boa-fé” no direito brasileiro.

A obra torna-se de leitura obrigatória não apenas para compreensão do instituto da boa-fé objetiva em si e o modo como tem sido aplicado pela prática jurisprudencial, mas para uma revisão sistemática de outros institutos de Direito das Obrigações e da Teoria Geral do Direito Civil.

Em entrevista ao site da ESMAM, Judith Martins-Costa fala sobre os cuidados e critérios para a aplicação da boa-fé de forma sistematicamente orientada nas diferentes modalidades de relações jurídicas, tanto no plano do Direito Privado, como também no do Direito Público.

A convite da escola judicial, a jurista proferiu aula aos juízes maranhenses, como conferencista do curso de Direito Civil: Parte Geral, nos dias 25 e 26 de junho.

Veja a íntegra da entrevista.

ESMAM - A senhora é conhecida e respeitada pelo cuidado e profundidade como que se dedica aos temas jurídicos, seja na atividade acadêmica, seja na prática jurídica. Nesta edição de “A Boa-Fé no Direito Privado”, qual a ênfase principal sobre esse instituto?

Judith Martins-Costa - O primeiro livro, de 1999, tratava da boa-fé objetiva no direito privado, de forma geral. Era uma grande apresentação do princípio da boa-fé, até então pouco versado no direito brasileiro, uma vez que nenhum texto legal o contemplava de forma expressa, tratando apenas da boa-fé subjetiva.

Com a inclusão desse princípio no Código do Consumidor, depois no Código Civil - que até então era ainda um projeto, com disseminação de estudos doutrinários - a boa-fé passou a ser fortemente aplicada nos tribunais. Quando fiz a pesquisa para o livro de 99, consegui cinco casos, todos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e um do Supremo. Não encontrei outros.

Nesse interim, a minha grande preocupação era e continua sendo exatamente a maneira indiscriminada e avassaladora como o princípio da boa-fé passou a ser aplicado aos milhares de processos e, em grande número de casos, sem os pressupostos, sem os critérios para a sua aplicação correta. Dessa preocupação resultou a edição lançada em 2015, e agora em segunda edição.

 

ESMAM - E por que isso acontece?

Judith Martins-Costa - Isso não é responsabilidade apenas da jurisprudência, e sim da doutrina, que não se preocupou de modo geral em oferecer critérios para aplicação do princípio. Então, criou-se uma situação paradoxal: o princípio da boa-fé, que depende muito da atividade dos juízes, como examinadores dos casos concretos, passou a ser diluído por uma jurisprudência que não tinha critérios, porque a doutrina não os fornecia.

 

ESMAM - A boa-fé é um dos princípios norteadores do Novo Código Civil, juntamente com a operabilidade e a sociabilidade. Pela sua magnitude e extensão, vem sendo amplamente concretizada nas jurisprudências. Quais são os perigos da aplicação indiscriminada desse princípio nas relações jurídicas?

Judith Martins-Costa - Por ser uma expressão tão vaga e por se prestar a tantas e diferentes funções, a boa-fé precisa de critérios para aplicação. Para não levar a uma situação de insegurança jurídica como a que chegamos na atualidade, em que contratos são revisados com base no princípio da boa-fé, por exemplo, em contextos nos quais não caberia revisão. Há situações em que muitos outros institutos dariam conta da questão de uma maneira muito mais eficaz, e mais tecnicamente adequada.

 

ESMAM - A partir da sua análise, quais são os critérios práticos para a aplicação da boa-fé no plano do Direito Privado como também no do Direito Público?

Judith Martins-Costa - Eu pensei em dar critérios que se atassem muito às diferentes situações concretas.
Primeiro, examinei conforme o tipo contratual. Num contrato de compra e venda, no qual há interesses contrapostos, a boa-fé não pode ser aplicada como num contrato de associação, no qual há uma conjugação de interesses entre todos os sócios. Assim como numa contratação de seguro, que tem alta carga fiduciária, sua aplicação difere da que seria adequada a um contrato de empreitada.

Segundo, quanto à fase jurídica. A boa-fé se manifesta de modos nuançados na fase que precede a formação de um contrato, depois na execução contratual propriamente dita, até a pós-contratual.

Por ser um princípio extremamente contextual, trabalhei também o critério da conjugação com outros princípios que incidem sobre aquela mesma matéria examinada, que é muito importante para distinguir.

No direito público, temos princípios próprios com os quais a boa-fé deve estar articulada para a sua adequada aplicação nos diversos contextos. Um exemplo é a presunção de legimitmidade dos atos administrativos. É preciso ver qual é a situação concreta que está ensejando a incidência do princípio para perceber que outros estão co-implicados e definir, assim, o formato que a boa-fé vai ter naquela situação.

Concluindo, são considerados o tipo contratual, interesses presentes no contrato e articulações com os grandes ramos do direito (público, comercial, civil, internacional privado, arbitragem, entre outras áreas).

O último critério é o das funções da boa-fé – interpretativa ou hermenêutica, de integração de lacunas e a função de criação de deveres, que muitas vezes não estão expressos no contrato ou na lei, mas são deveres, como informação e lealdade, que derivam do princípio da boa-fé. E, finalmente, examinei os critérios a serem considerados no exercício jurídico, no qual a boa-fé tem um papel muito relevante para pautar licitude ou não das condutas.

Essas três funções estão pontualmente indicadas no Código Civil, nos artigos 113, 187 e 421. Articulei e trabalhei esses critérios basicamente com casos da jurisprudência que estavam ou não de acordo com a solução dada, e assim o livro chegou às suas mais de 800 páginas.

 

ESMAM - Que transformações e adequações esse tema tem adquirido no direito brasileiro? Como evoluiu em comparação com outros países?

Judith Martins-Costa - São dois fenômenos. Primeiro, nós recebemos pelo Código Civil, desde a sua elaboração, a boa-fé de matriz germânica, isto é, objetiva, que significa uma standart de conduta. Os demais sistemas da América Latina recebem influência francesa, mais centrada na concepção subjetiva da palavra boa-fé.
Outra peculiaridade do direito brasileiro, não muito positiva, é a “superinvocação da boa-fé”, que às vezes funciona quase como uma palavra mágica para resolver problemas cuja solução já está prevista em outras normas e institutos do sistema.
Por outro lado, a característica positiva é a grande aceitação que o princípio recebeu. Precisa ser aplicado com base em critérios.

 

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