O novo Código de Processo Civil (NCPC), em vigência há quase um ano e meio, já começa a gerar interpretações e análises as mais diversas entre os juristas, operadores do direito e a própria sociedade. Propõe ao juiz ferramentas modernas e ágeis para julgar, à advocacia uma corrente de igualdade perante as demais esferas do sistema judiciário e ao povo maior acesso à justiça.
Para o advogado e professor das áreas de Direito Civil, Processual Civil e Direito do Consumidor, William Santos Ferreira, apesar de todas as inovações, a aplicação adequada do NCPC pede uma mudança de cultura que o código por si só não consegue implantar. “O que ainda precisa acontecer é a postura mais ativa dos advogados e mais estimuladora do juiz. O magistrado não deve mais assumir um papel integral, quase paternalista, de condução do processo, como se fosse um “juiz Hércules”, diz, referindo-se ao herói da mitologia grega famoso por sua força. “Nessa nova realidade, as partes devem ser estimuladas a ter posturas mais ativas na instrução”.
Doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, o jurista esteve em São Luís, a convite da Escola Superior da Magistratura (Esmam) para falar aos magistrados maranhenses sobre a produção de provas segundo o novo CPC.
Em entrevista ao site da escola, o autor de Princípios Fundamentais da Prova Cível e outras obras sobre direito probatório, destaca alguns avanços experimentados, as mudanças estruturais e comportamentais necessárias para que o novo CPC concretize o desejo de maior celeridade na solução dos litígios.
ESMAM - O novo CPC foi elaborado sob um tripé que contemplou o clamor público, a doutrina já existente e a realidade social. Depois de quase um ano e meio, como a norma foi recebida pela comunidade jurídica?
O novo código parte de algumas premissas diferentes das que nós tínhamos anteriormente, e por conta disso há uma necessidade não só de alteração legislativa, mas uma mudança de cultura, que é algo muito mais difícil, e a lei não é capaz de sozinha levar a essa alteração. A norma estimula, mas nós como ordenadores, como professores, como práticos do direito – juízes, promotores, advogados – que estamos em contato desde a época do projeto, podemos tentar trazer uma visão mais efetiva do que é essa mudança, como estamos fazendo aqui na Esmam. Devemos nos perguntar quais são os paradigmas que nós estamos operando, e partir disso apresentar o que seria essa mudança, que não é apenas procedimental. É pensar no processo sabendo que os protagonistas mudaram.
A outra questão é estrutural. Não adianta o código estabelecer uma série de novidades e o judiciário não ter uma estrutura compatível com aquilo que se almeja, seja para as questões conciliatórias, seja para que o juiz tenha condições efetivas de atuação. Precisamos refletir muito sobre como melhorar a conduta do juiz na instrução, realizar audiências para saneamento do processo para definição das provas, e está extremamente pressionado com demonstração de resultados de julgamentos. O magistrado se vê agora num contexto em que lhe é exigida uma quantidade de decisões e, ao mesmo tempo, um código que lhe exige mais fundamentação, maior atuação no momento do saneamento. Como fazer isso se o tempo dele está escasso à luz das exigências do Conselho Nacional de Justiça? Como é que nós vamos equilibrar? Acho que esse é um grande desafio que se percebe aqui.
ESMAM - Em um país como o Brasil, onde tantas leis não são aplicadas como deveriam. Que dispositivos “pegaram” e quais “não pegaram”?
Vejo que alguns dispositivos começam a se espraiar de maneira mais importante, como a distribuição dinâmica do ônus da prova, algumas regras da prova pericial que podem trazer uma perícia mais profunda, mais oxigenada. Isso já se vê em parte.
O que ainda precisa acontecer é a postura mais ativa dos advogados e mais estimuladora do juiz. O magistrado não deve mais assumir um papel integral, quase paternalista, de condução do processo, como se fosse um “juiz Hércules”, que tem que fazer tudo, ser especialista em tudo, conhecer tudo… Não! O juiz tem que estimular as partes a terem posturas mais ativas na instrução. Advogados que perguntam diretamente às testemunhas, e não um juiz que começa a fazer as perguntas. O juiz complementa, pode aprofundar. Quando ele tira da sua carga o começo dos questionamentos, consegue ter uma visão panorâmica que fará com que a sua contribuição seja mais efetiva, não no começo, mas no fim. O magistrado vai agregar elementos e não estruturá-los. Essa é uma cultura que precisa ser instalada.
ESMAM – Na obra coletiva Comentários ao Novo CPC (Saraiva) o senhor avalia o que ocorre em relação às provas no processo civil, no âmbito do novo código.
Mudaram os protagonistas da área de provas, que é a que estamos tratando no curso com os magistrados maranhenses. O protagonismo, via de regra, agora está com as partes. Nessa nova visão, o juiz está ligado não só à coordenação da instrução, mas sobretudo à valoração da prova no momento do julgamento. A participação mais efetiva passa a ser dos advogados e promotores, que conhecem a causa mais amiúde, porque estão levando o problema ao judiciário. O diálogo com os juízes aqui confirma a impressão que eu já tinha: Há uma alteração de conduta da advocacia que ainda não está viva. Ou seja, os juízes continuam muitas vezes como antes, porque também acham que os advogados continuam com a antiga postura. Se nós não rompermos esse ciclo vicioso, ficará do mesmo jeito. É preciso quebrar isso.
ESMAM - A produção antecipada de provas é a sua principal área de estudo dentro do Direito Civil. O que mudou em relação ao antigo código?
A produção antecipada de provas já havia no antigo código, mas não é algo corriqueiro. Pode ser aplicada em caso de urgência – uma prova que pode perecer, um prédio que ameaça ruína e precisa fazer perícia antes que caia, senão desaparece a prova. O que mudou foi o procedimento, estruturado de forma objetiva, antes do processo. Porque parte-se da premissa (errada) de que todo mundo quer um processo para protelar, que a prova não funciona como informação, e que se eu for envolvido na causa eu já sei tudo, isso não é verdade. Então, a produção antecipada de provas no novo CPC é para evitar o litígio e só ficar a prova, para que a parte possa ter informação. O juiz não vai valorar, mas a própria parte pode olhar o que aconteceu, ouvir a testemunha, ver a perícia e se convencer de que tem ou não razão, se cabe um acordo. A outra questão é quando o litígio não está em “pagar” ou não, mas se é “justo” ou não fazê-lo. Nesse caso, desloca-se a prova para o momento anterior, o juiz produz, a parte analisa, abrindo condições para uma conciliação. É rápido, porque não se gera um processo com demandas, recursos. É apenas uma produção de provas.
ESMAM – A nova norma propõe o julgamento “sob a ótica social” - primazia da razoável duração do processo, pacificação dos conflitos, preservação da isonomia e segurança jurídica. Esse protagonismo das partes na antecipação probatória não implica em erros processuais?
Em casos de demandas extremamente arriscadas, um especialista em provas pode orientar a parte para produzir a prova antecipadamente, identificar o caso, ao invés de entrar num litígio envolvendo milhões e correndo o risco de perder e pagar indenização vultosa na condenação.
Por exemplo: um sócio de empresa acha que outro está desviando recursos. O sistema permite que se faça a produção da prova para descobrir por perícia se há o desvio ou não. Com isso, não se vai litigar de forma inconsequente. É uma produção antecipada de provas. Se não houver provas, a parte se dá por satisfeita. Se tem elementos que comprovam que está desviando mesmo, então justifica, vou ajuizar a ação. Os riscos são menores. O tempo e a solução também.
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