Poder Judiciário/Escola da Magistratura/Mídias/Notícias

TJMA reforça ações de formação em Justiça Restaurativa

Curso voltado à magistratura enfatizou a necessidade de uma mudança de mentalidade no Judiciário sobre as práticas restaurativas

Publicado em 11 de Jun de 2025, 15h00. Atualizado em 12 de Jun de 2025, 12h33
Por Irma Helenn Cabral

Com a proposta de construir um novo paradigma de justiça baseado em escuta, responsabilização e reparação, o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), por meio da Escola Superior da Magistratura (ESMAM), promoveu o curso Justiça Restaurativa e o Papel do Magistrado na sua Consolidação, voltado exclusivamente à magistratura maranhense. 

A formação, realizada entre os dias 2 e 10 de junho, contou com aulas teóricas e práticas, tanto na modalidade EaD quanto presencial, ministradas pela juíza do TJPR Laryssa Copack Muniz, referência nacional na temática e facilitadora certificada pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS); e pela juíza do TJMA Mirella Cezar Freitas, mestranda e formadora pela ENFAM, pesquisadora em política criminal e integrante de grupos de trabalho nacionais sobre Justiça Restaurativa (JR) e políticas de atenção social.

PRÁTICAS HUMANIZADAS 

O curso se insere no esforço do TJMA em consolidar práticas humanizadas, eficazes e inclusivas no sistema de justiça, alinhadas aos princípios constitucionais e às diretrizes da ENFAM e do CNJ. “Uma aposta firme na transformação — da justiça, da cultura institucional, das relações sociais. Um trabalho a ser realizado por facilitadores e facilitadoras em círculos de justiça restaurativa, como ferramenta útil à atuação de magistrados e magistradas”, disse Mirella Cézar.

Uma das elaboradoras da Resolução CNJ nº 225/2016 - que dispõe sobre a política nacional de justiça Restaurativa no âmbito dos tribunais -, Laryssa Muniz concedeu entrevista exclusiva durante sua passagem por São Luís (confira abaixo). Ela reforçou a necessidade de uma mudança de mentalidade no Judiciário e trouxe exemplos inspiradores da atuação paranaense com práticas restaurativas. Segundo a juíza paranaense, os magistrados e magistradas maranhenses “estão sendo chamados para um novo tipo de escuta e protagonismo: o da construção da paz”, reforçou.

 

 

A iniciativa vai ao encontro das ações já desenvolvidas pelo Núcleo de Justiça Restaurativa (Nejur-TJMA), contribuindo para estimular e preparar a magistratura na implantação e fortalecimento das práticas restaurativas nas comarcas do Estado. 

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA JR

A formação tratou ainda sobre a utilização de ferramentas de inteligência artifical (IA) aplicadas à Justiça Restaurativa, como forma de avaliação de impacto, com base em dados que indicam reincidência ou vulnerabilidade; triagem preditiva, permitindo identificar casos com maior potencial restaurativo; e monitoramento contínuo, que avalia os efeitos da prática restaurativa na ambiência institucional e na responsabilização das partes.

Mirella Cezar enfatizou que a aplicação das práticas restaurativas no sistema de justiça pode ser significativamente fortalecida com o apoio ético e estratégico da IA. "Embora a IA não substitua o encontro humano restaurativo, pode contribuir com o aprimoramento de diagnósticos, orientar encaminhamentos e monitorar impactos", explicou.

 

Juízas Mirella Cezar (esquerda) e Laryssa Muniz 

 

A seguir, a íntegra da entrevista com a juíza Laryssa Angélica Copack Muniz:

 

“Punição não gera consciência”,

diz Laryssa Copack Muniz
 

ESMAM – Professora, para começar, como é que a justiça restaurativa se distingue da justiça tradicional punitiva?

Larissa Muniz - A justiça restaurativa se distingue pelas perguntas que ela faz. Quando a gente quer mudar um paradigma, o que muda são as perguntas. A justiça retributiva quer saber: que lei foi violada, quem violou e o que essa pessoa merece. O sistema criminal brasileiro é estruturado para responder a essas três perguntas — e nelas, não há espaço para a vítima. Na justiça restaurativa, as perguntas são outras: quem sofreu o dano, o que essa pessoa precisa para ficar bem e quem tem o dever de reparar. Saímos de um olhar voltado apenas ao processo para um em que a vítima se torna protagonista. Vamos atrás das necessidades dessa vítima e de quem pode reparar o que foi causado. Isso muda tudo.

 

ESMAM – E como a justiça restaurativa se ancora na Constituição Federal?

Larissa Muniz - Ela está no preâmbulo da Constituição, que é o cartão de visitas da nossa Carta. Lá se afirma que a República busca a solução pacífica das controvérsias. Isso já é uma grande abertura para a justiça restaurativa, porque solução pacífica envolve o Estado também — e aplicar uma lei que prende alguém é, por mais que autorizada, uma forma de violência. O artigo 5º é recheado de princípios que abraçam a justiça restaurativa: dignidade da pessoa humana, proporcionalidade da reprimenda... Então, sim, ela está absolutamente em consonância com os princípios constitucionais.

 

ESMAM – Então, estamos falando de um novo paradigma?

Larissa Muniz - Sim. Quem estuda paradigmas sabe: eles mudam quando mudam as perguntas. A justiça restaurativa está interessada em outras perguntas, outras respostas, outros caminhos. Isso é paradigmático.

 

ESMAM – Como tem sido a experiência concreta no Paraná na implementação da justiça restaurativa? Há algum caso ou iniciativa emblemática que a gente já possa compartilhar?

Larissa Muniz - Temos 11 anos de trabalho no TJPR, e os avanços são impressionantes. O interesse dos juízes é enorme. Os cursos oferecidos pela Escola Judicial se esgotam em 10 minutos! Isso mostra sede por mudança. Temos o projeto “Justiça Restaurativa Sem Fronteiras”, no qual comarcas que ainda não têm equipes próprias acionam a capital, e facilitadores são enviados para atender localmente. Já tivemos casos de conflitos resolvidos com acordos significativos — como um acidente de trânsito com um acordo de R$36 mil. A denúncia foi rejeitada, o processo extinto. Justiça foi feita, com diálogo e reparação. Outro destaque: temos um grupo de 60 juízes que participam do “Justiça Restaurativa e Literatura”. Esse grupo virou podcast, depois livro. É uma rede viva de reflexão e troca. Hoje, temos mais de 50 comarcas no Paraná que aplicam a justiça restaurativa. Isso só é possível porque há capilaridade, envolvimento real.

 

ESMAM – Quais têm sido os maiores desafios para consolidar essa prática dentro de um Judiciário historicamente voltado à lógica da punição?

Larissa Muniz - A cultura do punitivismo é o maior obstáculo. Ela não resolve mais — e, no fundo, a população já percebe isso. O problema é que o único modelo que conhecemos é o da punição. Queremos obediência dos filhos? Punimos. Queremos justiça? Punimos. Mas a punição, sozinha, não gera consciência — gera raiva. Precisamos deslocar o foco. A responsabilização que a justiça restaurativa propõe é outra: é provocar o autor do dano a reconhecer o efeito dos seus atos e buscar reparar. É muito mais potente e transformador. Platão já dizia que todo homem precisa saber o que seus atos causam nos outros. Isso não exige punição — exige consciência. E isso a JR provoca. Mas, sim, é ameaçador para quem só conhece a lógica do controle.

 

SOBRE O CURSO NO MARANHÃO

Realizado de forma semipresencial pela ESMAM, o curso “Justiça Restaurativa e o Papel do Magistrado na sua Consolidação” tem carga horária de 20 horas, sendo 16 presenciais. A proposta pedagógica privilegia a vivência prática dos círculos restaurativos, a escuta ativa e o planejamento de ações concretas para aplicação no contexto jurisdicional. A coordenação é da juíza Mirella Cezar Freitas, que também atua como docente ao lado da professora Laryssa Muniz.

 

 

Núcleo de Comunicação da ESMAM

E-mail: asscom_esmam@tjma.jus.br

Instagram: @‌esmam_tjma

Facebook: @‌esmam.tjma

Youtube: @‌eadesmam

Fone: (98) 2055-2800

 

GALERIA DE FOTOS