A Escola Superior da Magistratura do Maranhão (ESMAM) promoveu, nesta segunda-feira (24), a quarta edição do projeto Ciclos Dialéticos, abordando o tema Família, afeto e responsabilidade: a intervenção do Estado em discussão. O evento ocorreu no auditório da Associação dos Magistrados (AMMA) e proporcionou um espaço para o confronto de ideias, reunindo profissionais do Direito, magistrados, estudantes e interessados em debater os limites e desafios da atuação estatal nas relações familiares.
A abertura foi conduzida pela desembargadora Sônia Amaral, diretora da ESMAM e idealizadora do projeto, que enfatizou a importância de promover reflexões que desafiem pensamentos pré-concebidos. "A proposta do Ciclos Dialéticos é promover uma reflexão, fazer com que você saia de ‘casinhas’. E hoje está difícil discutir. A polarização me assusta, porque acredito que as nossas discussões têm que comportar pensamentos divergentes. Por isso, estamos aqui para discutir, ouvir e tirar nossas próprias conclusões”, disse.
DEBATES
O debate contou com a participação da professora Bruna Barbieri Waquim, doutora e mestre em Direito, vice-presidente do IBDFAM/MA e assessora jurídica no TJMA; e Alexandre Magno Fernandes Moreira, educador, advogado público, professor, procurador do Banco Central e especialista em Direito da Educação e em Direitos da Família. A moderação ficou a cargo da juíza Lícia Cristina Ferraz, juíza titular da 2ª Vara da Família de São Luís, mestre em Direito pela Universidade Portucalense e especialista em Direito Constitucional.
Bruna Barbieri trouxe uma perspectiva crítica sobre a intervenção estatal nas relações familiares. Autora de obras como "Alienação Familiar Induzida: aprofundando o estudo da alienação parental" , ela afirmou que a família é um dos espaços mais caros de autonomia privada, mas essa autonomia e liberdade não são absolutos. "O direito de família constitucionalizado se compromete com a proteção da família na pessoa de cada um dos seus membros, o que significa que tudo aquilo que não for da reserva de intimidade dos particulares, pode ser objeto de interferência do Estado, sempre que necessário para preservar o bem-estar coletivo ou para a proteção de vulneráveis", pontuou.
A professora citou a situação da educação domiciliar (homeschooling), ainda não regularizada no país, e que nesse caso continua em vigor a obrigação do ECA de matricula obrigatória em estabelecimento oficial de ensino. "A escola é uma importante agência de socialização do indivíduo, que permite a construção crítica e democrática da personalidade e da individualidade do sujeito. É também um espaço essencial de fiscalização externa, em que muitas violações de direitos causadas dentro dos lares são descobertas ou reveladas pelos professores, servindo de rede de apoio para crianças e adolescentes que muitas vezes não tem consciência de serem vítimas em suas casas", disse.
Para Bruna, há também a preocupação de que a educação domiciliar possa contribuir para majorar as desigualdades sociais, ao elitizar o ensino - ou abrir espaço para a evasão escolar escondida sob o manto do homeschooling. "Enquanto não houver lei regulamentando a matéria e permitindo a proteção das crianças e adolescentes contra doutrinação familiar, déficit da qualidade de ensino doméstico, evasão escolar e a perda da necessária socialização, deve ser mantida a obrigatoriedade de matrícula em estabelecimento oficial de ensino", reforçou.
CRIAÇÃO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS
Por outro lado, em sua intervenção, Alexandre Magno Moreira questionou a crescente desconfiança na capacidade das famílias de educar seus filhos, atribuindo-a a uma ideologia que ele denomina "governo dos especialistas". Segundo o professor, essa visão pressupõe que apenas profissionais com formação acadêmica específica são aptos a desempenhar determinadas funções, como a educação. "A família serve para duas coisas: criação e educação dos filhos. Se não houvesse família, nós não teríamos nenhuma outra instituição social capaz de criar e educar os filhos", afirmou. Moreira enfatizou que a educação mais profunda ocorre nos ambientes mais informais, dentro de casa, através das interações cotidianas entre pais e filhos.¿
Durante o evento, o professor Alexandre Magno Fernandes Moreira abordou a questão da intervenção do Estado nas famílias, destacando que nem todas as famílias são disfuncionais; na verdade, apenas uma pequena parcela não cumpre suas funções essenciais. Ele se referiu a famílias afetadas por vícios como alcoolismo, uso de drogas e violência, que realmente se encontram desestruturadas.¿
No entanto, Moreira enfatizou que a pobreza não deve ser utilizada como justificativa para a intervenção estatal na forma como os pais criam e educam seus filhos. Citando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ele ressaltou que o poder familiar não pode ser restringido em razão da condição econômica da família; em vez disso, deve-se oferecer suporte por meio de programas sociais adequados.
O pesquisador ressaltou que seu objetivo não é polemizar ou se opor ao Estado, mas sim analisar os critérios legais para a intervenção estatal na família. Ele observou que, na prática, em 99% dos casos, o Estado não interfere nas decisões dos pais em relação aos filhos, presumindo-se que as ações parentais visam ao melhor interesse das crianças. "Essa presunção se baseia no fato de que, em uma família funcional, os pais conhecem e amam seus filhos, buscando sempre o que é melhor para eles", complementou.
O especialista concluiu sua fala reforçando que, em famílias normais, os pais estão naturalmente inclinados a promover o bem-estar dos filhos, e que a intervenção estatal deve ser reservada para situações onde há clara violação dos direitos das crianças e adolescentes, conforme preconizado pelo princípio da intervenção mínima estabelecido no ECA .
A moderadora Lícia Cristina Ferraz Ribeiro de Oliveira, juíza titular da 2ª Vara da Família de São Luís, mestre em Direito pela Universidade Portucalense e especialista em Direito Constitucional, conduziu o debate de forma a equilibrar as diferentes perspectivas apresentadas.
Além das palestras, os participantes tiveram a oportunidade de interagir diretamente com os especialistas, fazendo perguntas e compartilhando suas próprias percepções sobre o tema.
Também estiveram presentes o presidente da AMMA, juiz Marco Adriano Fonseca, e a juíza Joseane Bezerra, representando o Grupo Maria Firmina, pela paridade de gênero no Judiciário.
Veja o álbum do evento, com fotos de Ribamar Pinheiro (Asscom/TJMA)
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