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ENTREVISTA | Comitê de Diversidade discute questões raciais em alusão ao Dia da Mulher Negra

Publicado em 21 de Jul de 2020, 0h00. Atualizado em 21 de Jul de 2020, 0h00
Por ASCOM

Em referência ao Dia da Mulher Negra – comemorado no próximo sábado (25/7) – o Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) traz reflexões e críticas sobre as questões raciais no país e as desigualdades de origens étnicas ainda latentes na sociedade brasileira.

O Comitê de Diversidade – instituido pelo presidente do TJMA, desembargador Lourival Serejo – objetiva assegurar o respeito aos direitos fundamentais aos diversos grupos da sociedade, assegurando-lhes o acesso à Justiça contra qualquer tipo de preconceito e violência, tais como racismo, sexismo, lgbtfobia, etarismo, capacitismo e gordofobia. Além disso, promover a conscientização, no âmbito interno do Poder Judiciário, para a necessidade de respeito à diversidade, visando à erradicação de preconceitos e práticas discriminatórias.

Em entrevista concedida ao jornalista Antonio Carlos Lua, assessor-chefe de Comunicação do Tribunal de Justiça do Maranhão, o juiz Marco Adriano, coordenador do Comitê de Diversidade, aprofunda a temática do racismo no Brasil e explica o compromisso do Comitê de Diversidade no enfrentamento aos atos discriminatórios e de preconceito racial.

ENTREVISTA:

Antonio Carlos: As manifestações contra o racismo se multiplicam no Brasil. Poderíamos dizer que elas sinalizam uma possível virada histórica para encerrar o longo ciclo de segregação e opressão contra os afrodescendentes?

Juiz Marco Adriano: As manifestações correspondem ao cenário atual dos debates e das reflexões mais aprofundadas e críticas acerca das questões raciais no Brasil, em que se traz à tona a perspectiva da desigualdade estrutural e histórica entre cidadãos, por decorrência de sua origem étnica.

Trata-se da expressão dos anseios por igualdade material, pois, embora o preâmbulo da Constituição Federal tenha consagrado a igualdade e o bem-estar de todos como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, passados mais de 30 anos, ainda não houve uma consolidação na prática de tais postulados.

Daí a importância da instituição do Comitê de Diversidade do TJMA, que é reflexo do compromisso institucional da atual Mesa Diretora do TJMA, especialmente na pessoa do presidente, desembargador Lourival Serejo, que contemplou dentre as metas de gestão do biênio 2020/2022 do Tribunal de Justiça do Maranhão assegurar o respeito aos direitos fundamentais aos diversos grupos da sociedade, assegurando-lhes o acesso à Justiça contra qualquer tipo de preconceito e violência, estando em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça.

Antonio Carlos: Como podemos superar o pecado original do Brasil em relação à questão racial numa realidade onde o racismo é notório com muitas pessoas gozando das vantagens que o racismo lhes proporciona?

Juiz Marco Adriano: Inicialmente, importante registrar que a própria Carta Constitucional já reconhece em seu texto que somos uma sociedade desigual e discriminatória, tanto que consagrou como objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nessa linha, o atual cenário dos debates sobre questões raciais deve ser pautado a partir da perspectiva estrutural, e como as instituições públicas e privadas podem contribuir efetivamente para a minimização desse distanciamento entre o discurso jurídico e a prática das políticas públicas.

Antonio Carlos: O Brasil foi construído com as mãos e os cérebros de pessoas negras, desde aquelas trazidas do continente africano para o trabalho escravo. O Brasil foi erguido por saberes, habilidades e inteligências negras. Qual é a dificuldade de se reconhecer a contribuição dos negros para a construção do país?

Juiz Marco Adriano: Penso que a análise da questão perpassa por uma reflexão quanto a perspectiva do senso comum de qual o papel relegado aos negros na sociedade, ocupando geralmente funções secundárias e subalternas, e como isso reflete na exclusão e no racismo ainda presentes nos dias atuais. Daí a necessidade de compreensão do fenômeno do racismo com uma prática estrutural e excludente, já que poucos negros ocupam espaços de poder e cargos estratégicos.

Inclusive, esses fatores tem reflexos na própria compreensão da sociedade brasileira quanto ao fenômeno do racismo, pois muitos ainda afirmam que no Brasil não há racismo, o que evidencia uma tendência de naturalização de comportamentos discriminatórios como se fossem aceitáveis e normais, constituindo-se, portanto, numa prática velada e que tem contornos ainda mais reprováveis e mais difíceis de serem combatidos, pois ficam subjacentes, encobertos e dissimulados.

Desta forma, partindo-se dessa perspectiva crítica e anti-hegemônica, talvez o primeiro passo a ser dado seja o reconhecimento da existência do racismo enquanto prática discriminatória em nossa país, e ato contínuo, a reprovação social de tais condutas, não mais as concebendo como naturais, adotando-se uma postura antirracista, o que reforça a necessidade de espaço de fala institucionalizados para a abordagem pluralista e consolidação de políticas públicas que contribuam para a erradicação do racismo e das mais diversas formas de discriminação.

Antonio Carlos: Por que há até hoje muitos registros escondidos na nossa história, que interferem diretamente no protagonismo negro distanciando os afrodescendentes do poder político e não conhecendo a sua origem e a sua história a partir da herança cultural negra?

Juiz Marco Adriano: Trata-se da influência do discurso hegemônico consolidado durante longos anos, que inferioriza a história e o papel dos negros no processo de construção social do Brasil, e reverbera o ocultamento do racismo, da discriminação e do preconceito racial.
Nessa linha, são valiosas as políticas públicas mais recentes, especialmente no cenário Pós-Constitucional de 1988, que consagraram instrumentos de visibilidade da temática racial, entre elas, o estabelecimento de ações afirmativas, como garantia de justiça social e racial, a proteção a tolerância religiosa e das manifestações das culturas populares afro-brasileiras e das datas comemorativas de alta significação, reconhecendo a importância no processo civilizatório nacional e a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", bem como, os Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário, entre eles a Declaração Internacional de Direitos Humanos e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

Destarte, trata-se de um processo progressivo de ressignificação das contribuições e do protagonismo dos negros na sociedade, e da construção de uma identificação e emancipação a partir de novas perspectivas, que certamente contribuirão para a consolidação de uma política destinada a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas.

Nesse cenário, destaca-se a instituição do Comitê de Diversidade do TJMA neste mês de julho de 2020, no qual se comemora o Dia Internacional Nelson Mandella (18/07) e o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional da Mulher Negra Brasileira (25/07), tendo entre seus objetivos estratégicos promover a conscientização para a necessidade de respeito à diversidade e realizar eventos voltados para as questões referentes à diversidade, visando à erradicação de preconceitos e práticas discriminatórias.

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