Em referência ao Dia da Mulher Negra – comemorado no próximo sábado (25/7) – o Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) traz reflexões e críticas sobre as questões raciais no país e as desigualdades de origens étnicas ainda latentes na sociedade brasileira.
O Comitê de Diversidade – instituido pelo presidente do TJMA, desembargador Lourival Serejo – objetiva assegurar o respeito aos direitos fundamentais aos diversos grupos da sociedade, assegurando-lhes o acesso à Justiça contra qualquer tipo de preconceito e violência, tais como racismo, sexismo, lgbtfobia, etarismo, capacitismo e gordofobia. Além disso, promover a conscientização, no âmbito interno do Poder Judiciário, para a necessidade de respeito à diversidade, visando à erradicação de preconceitos e práticas discriminatórias.
Em entrevista concedida ao jornalista Antonio Carlos Lua, assessor-chefe de Comunicação do Tribunal de Justiça do Maranhão, o juiz Marco Adriano, coordenador do Comitê de Diversidade, aprofunda a temática do racismo no Brasil e explica o compromisso do Comitê de Diversidade no enfrentamento aos atos discriminatórios e de preconceito racial.
ENTREVISTA:
Antonio Carlos: As manifestações contra o racismo se multiplicam no Brasil. Poderíamos dizer que elas sinalizam uma possível virada histórica para encerrar o longo ciclo de segregação e opressão contra os afrodescendentes?
Juiz Marco Adriano: As manifestações correspondem ao cenário atual dos debates e das reflexões mais aprofundadas e críticas acerca das questões raciais no Brasil, em que se traz à tona a perspectiva da desigualdade estrutural e histórica entre cidadãos, por decorrência de sua origem étnica.
Trata-se da expressão dos anseios por igualdade material, pois, embora o preâmbulo da Constituição Federal tenha consagrado a igualdade e o bem-estar de todos como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, passados mais de 30 anos, ainda não houve uma consolidação na prática de tais postulados.
Daí a importância da instituição do Comitê de Diversidade do TJMA, que é reflexo do compromisso institucional da atual Mesa Diretora do TJMA, especialmente na pessoa do presidente, desembargador Lourival Serejo, que contemplou dentre as metas de gestão do biênio 2020/2022 do Tribunal de Justiça do Maranhão assegurar o respeito aos direitos fundamentais aos diversos grupos da sociedade, assegurando-lhes o acesso à Justiça contra qualquer tipo de preconceito e violência, estando em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça.
Antonio Carlos: Como podemos superar o pecado original do Brasil em relação à questão racial numa realidade onde o racismo é notório com muitas pessoas gozando das vantagens que o racismo lhes proporciona?
Juiz Marco Adriano: Inicialmente, importante registrar que a própria Carta Constitucional já reconhece em seu texto que somos uma sociedade desigual e discriminatória, tanto que consagrou como objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Nessa linha, o atual cenário dos debates sobre questões raciais deve ser pautado a partir da perspectiva estrutural, e como as instituições públicas e privadas podem contribuir efetivamente para a minimização desse distanciamento entre o discurso jurídico e a prática das políticas públicas.
Antonio Carlos: O Brasil foi construído com as mãos e os cérebros de pessoas negras, desde aquelas trazidas do continente africano para o trabalho escravo. O Brasil foi erguido por saberes, habilidades e inteligências negras. Qual é a dificuldade de se reconhecer a contribuição dos negros para a construção do país?
Juiz Marco Adriano: Penso que a análise da questão perpassa por uma reflexão quanto a perspectiva do senso comum de qual o papel relegado aos negros na sociedade, ocupando geralmente funções secundárias e subalternas, e como isso reflete na exclusão e no racismo ainda presentes nos dias atuais. Daí a necessidade de compreensão do fenômeno do racismo com uma prática estrutural e excludente, já que poucos negros ocupam espaços de poder e cargos estratégicos.
Inclusive, esses fatores tem reflexos na própria compreensão da sociedade brasileira quanto ao fenômeno do racismo, pois muitos ainda afirmam que no Brasil não há racismo, o que evidencia uma tendência de naturalização de comportamentos discriminatórios como se fossem aceitáveis e normais, constituindo-se, portanto, numa prática velada e que tem contornos ainda mais reprováveis e mais difíceis de serem combatidos, pois ficam subjacentes, encobertos e dissimulados.
Desta forma, partindo-se dessa perspectiva crítica e anti-hegemônica, talvez o primeiro passo a ser dado seja o reconhecimento da existência do racismo enquanto prática discriminatória em nossa país, e ato contínuo, a reprovação social de tais condutas, não mais as concebendo como naturais, adotando-se uma postura antirracista, o que reforça a necessidade de espaço de fala institucionalizados para a abordagem pluralista e consolidação de políticas públicas que contribuam para a erradicação do racismo e das mais diversas formas de discriminação.
Antonio Carlos: Por que há até hoje muitos registros escondidos na nossa história, que interferem diretamente no protagonismo negro distanciando os afrodescendentes do poder político e não conhecendo a sua origem e a sua história a partir da herança cultural negra?
Juiz Marco Adriano: Trata-se da influência do discurso hegemônico consolidado durante longos anos, que inferioriza a história e o papel dos negros no processo de construção social do Brasil, e reverbera o ocultamento do racismo, da discriminação e do preconceito racial.
Nessa linha, são valiosas as políticas públicas mais recentes, especialmente no cenário Pós-Constitucional de 1988, que consagraram instrumentos de visibilidade da temática racial, entre elas, o estabelecimento de ações afirmativas, como garantia de justiça social e racial, a proteção a tolerância religiosa e das manifestações das culturas populares afro-brasileiras e das datas comemorativas de alta significação, reconhecendo a importância no processo civilizatório nacional e a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", bem como, os Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário, entre eles a Declaração Internacional de Direitos Humanos e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Destarte, trata-se de um processo progressivo de ressignificação das contribuições e do protagonismo dos negros na sociedade, e da construção de uma identificação e emancipação a partir de novas perspectivas, que certamente contribuirão para a consolidação de uma política destinada a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas.
Nesse cenário, destaca-se a instituição do Comitê de Diversidade do TJMA neste mês de julho de 2020, no qual se comemora o Dia Internacional Nelson Mandella (18/07) e o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional da Mulher Negra Brasileira (25/07), tendo entre seus objetivos estratégicos promover a conscientização para a necessidade de respeito à diversidade e realizar eventos voltados para as questões referentes à diversidade, visando à erradicação de preconceitos e práticas discriminatórias.