O Brasil era colônia, sob a égide do Código Filipino, conjunto de normas que reformou o Código Manuelino durante a União Ibérica, período em que Portugal esteve sob domínio da Coroa Espanhola, do Rei Felipe II. O conjunto de normas reproduzia fielmente aquele aplicado em solo lusitano.
Portugal vivia um momento turbulento, em razão do domínio espanhol e do frágil sistema administrativo português no Brasil Colônia, baseado nas capitanias hereditárias. O litoral brasileiro era constantemente alvo de incursões por outras nações, a exemplo de Inglaterra, Holanda e França.
Os franceses se aproveitaram justamente dessa fragilidade portuguesa em proteger seu território para aportar na Ilha de São Luís, litoral maranhense. Logo trataram de estabelecer um porto seguro, edificando o Fort Saint-Louis, uma homenagem do chefe da expedição e fundador da vila, Daniel de La Touche, ao jovem Luís XIII, Rei de França e Navarra.
A França Equinocial, como ficou conhecida em razão da proximidade com a Linha Equinocial (Linha do Equador), tinha seus domínios estendidos até 50 léguas em torno de um forte construído à beira do mar. O forte foi o ponto de origem da povoação, local onde hoje paira imponente o Palácio dos Leões, sede do Governo do Estado.
Com o estabelecimento dos franceses em solo maranhense, logo veio o primeiro conjunto de normas que se têm notícias: as Leis Fundamentais do Maranhão, datada de 1º de novembro de 1612.
Era costume os conquistadores imporem as leis vigentes em seu país às colônias. No entanto, as Leis Fundamentais, que originaram a França Equinocial, sofreram modificações para se adequar à realidade local. Eram normas genuínas, elaboradas especificamente para a nova terra, e incluíam direito canônico, penal e civil, dentro outros ramos do Direito.
Devidamente adequadas e assinadas Daniel de La Touche e François de Rasilly, a disseminação da norma fora realizada por meio de pregões aos silvícolas, fidalgos, militares e religiosos.
A transgressão era punida de forma severa e exemplar, inclusive com pena de morte. Assim, eram punidos quem atentasse contra a vida do comandante da expedição ou dos residentes na colônia, tipificando crimes de homicídio, parricídio (matar o próprio pai), traição, atentado e monopólio. Dispositivo penal, porém, já consagrava a legítima defesa.
Além da pena de morte, destacam-se as formas peculiares de como eram punidos os crimes. Açoites ao pé da força, ao som de corneta, para servir de exemplo; trabalhos forçados nas obras públicas, com a perda da dignidade e sem direito ao soldo pelos serviços executados. A reincidência levava ao enforcamento.
Pela promulgação das Leis Fundamentais e criação de um Corpo de Justiça, o historiador Milson Coutinho considera Luís XIII, pelo menos na teoria, “o primeiro chefe supremo do Judiciário do Maranhão”, título que lhe conferiu na obra de sua lavra: Ouvidores-Gerais e Juízes de Fora. Livro Negro da Justiça Colonial do Maranhão, 1612-1812.
A dominação francesa e as Leis Fundamentais vigoraram até 3 de novembro de 1615, data registrada na história como o dia da rendição dos invasores na capital, após a vitoriosa batalha contra os invasores pelos portugueses.
Embora posteriormente tenha ocorrido a expulsão dos franceses, episódio que a história se encarrega de contar, pode-se confirmar a grande contribuição deste povo para a história das leis e da Justiça, não somente local.
Conforme narra doutor em Direito do Estado, José Cláudio Pavão Santana, as Leis Fundamentais do Maranhão tem valor constituinte. Em sua tese, As Leis Fundamentais do Maranhão: Densidade Jurídica e Valor Constituinte. Santana analisa a natureza das normas sob os aspectos cronológico, territorial e normativo, ressaltando a contribuição da França Equinocial ao Constitucionalismo Americano.
Segundo o professor, com as Leis Fundamentais, os franceses contribuíram significativamente com o estudo do Direito Constitucional, considerando que houve na história o “pré-constitucionalismo”, compreendido como o estudo da formação do Estado Constitucional, em época anterior ao século XVIII.
O autor constata que as bases das normas revelam preocupações que mais tarde foram assentadas em cartas constitucionais, inclusive a Constituição da República de 1988. E assegura que as Leis Fundamentais do Maranhão precedem todas as normas escritas no continente americano que tenham por propósito a formação de um Estado.
Santana narra em seus estudos que as normas editadas em solo ludovicense, possuía singularidades de sua concepção e formalização. “Todas as leis que chegavam às colônias na América chegavam, prontas, emanadas das coroas. As Leis Fundamentais foram concebidas, escritas e publicadas aqui”, afirma.
O pesquisador também destaca que diversas normas aqui instituídas nas Leis Fundamentais, antecederam constituições do mundo contemporâneo, como “a integridade moral e física da mulher, a pena de morte, o açoite, o sossego público e o tributo, que foram conquistas do Estado moderno”, garante.
Essa também é a posição adotada pelo historiador Milson Coutinho. “Que se saiba, nas três Américas – Central, do Norte e Sul – as Leis Fundamentais do Maranhão foram as primeiras com esse caráter constitucional publicadas em nosso hemisfério”, frisa o magistrado.
Naturalmente há controvérsias acerca do pioneirismo das normas constitucionais, e até mesmo acerca da fundação de São Luís por franceses e das batalhas que se sucederam frente aos lusitanos. Todavia, não se pode negar o fato de que a instituição das Leis Fundamentais está na base da história do Poder Judiciário no Maranhão, servindo, ainda, de fonte de estudos para o ramo constitucional do Direito.
Fernando Souza
Assessoria de Comunicação
Corregedoria Geral da Justiça
* Com informações extraídas do repositório alusivo aos 200 anos do Tribunal de Justiça
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