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A expansão do papel das Ouvidorias Judiciárias

DES. PAULO VELTEN - Ouvidor do Poder Judiciário

14/01/2014

Protagonista na consolidação do Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário vê-se constantemente desafiado a dar solução ágil e eficiente aos conflitos de interesse que lhe são submetidos. Esse desafio se transforma em angústia diante do crescente aumento da demanda da sociedade por justiça.

Segundo o último relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente são mais de 92 milhões de processos em tramitação nas diversas instâncias e órgãos do Judiciário. Uma média de aproximadamente um processo para cada três brasileiros.

E embora se tenha experimentado uma considerável melhoria na produtividade de juízes e servidores, o número de casos novos não para de crescer. O resultado é a elevação anual do estoque de processos pendentes. No ano passado, o aumento do estoque foi de 2,6%. No quadriênio, 8,9%.

Esse aumento gradativo da demanda e do estoque de processos gera severos impactos na administração da Justiça, colocando em xeque a capacidade do Judiciário entregar a prestação jurisdicional com eficiência e qualidade sem a debilidade dos padrões de independência, imparcialidade, credibilidade e integridade moral que norteiam a atividade judicante.

A introdução de técnicas de governança, gerenciamento segundo metas e indicadores, mensuração de desempenho, planejamento estratégico, processo eletrônico e competência concorrente dos órgãos de controle e correção (Corregedorias locais e CNJ) constituem importantes ferramentas para o aggiornamento do Poder Judiciário aos novos tempos. Não há dúvidas a respeito disso.

Mas todo esse arsenal de técnicas e métodos de gestão e controle não será suficiente se o Poder Judiciário, enquanto instituição republicana, não abrir um canal de comunicação direta com os destinatários dos seus serviços. Se o serviço é público, o cidadão deve dele participar, apontando falhas e sugestões aptas a aprimorá-lo. E todos nós, juízes e servidores, devemos receber essa nova realidade sem melindres e indisposições, mas como algo natural e fundamental para a constante legitimação do Poder. Afinal, sem efetiva participação popular não existem democracia e cidadania.

É nesse contexto de aprofundamento democrático do Judiciário que o CNJ, por meio da Resolução nº 103, de 24 de fevereiro de 2010, determinou a criação de Ouvidorias no âmbito dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais e dos Tribunais de Justiça dos Estados, atribuindo-lhes competência para, entre outras atividades, prestar informações e esclarecimentos à população, receber sugestões, reclamações, denúncias, críticas e elogios sobre as atividades do respectivo tribunal; promover a apuração das reclamações acerca de deficiências na prestação dos serviços, abusos e erros cometidos por servidores e magistrados; e sugerir a adoção de medidas administrativas tendentes à melhoria e ao aperfeiçoamento das atividades desenvolvidas.

No âmbito do Judiciário Estadual maranhense, a Ouvidoria foi criada pela Resolução nº 20 de 6 de maio de 2010 do Tribunal de Justiça, ato que também regulamenta o funcionamento do órgão, ressaltando a importância de integração com as demais ouvidorias judiciais com vistas ao adequado atendimento das demandas da sociedade por serviços qualitativos.

Apesar do pouco tempo de funcionamento, as Ouvidorias do Judiciário já se apresentam como importantes ferramentas de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional e podem ter o seu papel engrandecido a partir da conscientização de todos, em especial dos servidores e da magistratura verdadeiramente comprometidos com a consolidação do regime democrático.

Isso foi o que se viu e ouviu no I Simpósio Nacional de Ouvidorias Judiciárias, promovido pelo CNJ e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no início de dezembro próximo passado, em Brasília.

Com o tema “Ouvidorias e Cidadania”, o evento teve por objetivo a promoção e troca de informações e experiências entre as ouvidorias judiciárias de todo o país, buscando com essa integração um aperfeiçoamento dos serviços prestados.

Participaram como conferencistas ministros do STJ, conselheiros do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), além do ouvidor-geral da União. Todos foram uníssonos em sinalizar para a expansão das funções das Ouvidorias a partir das seguintes ideias-força:

(I) as Ouvidorias devem exercer função de destaque na garantia do direito de acesso à informação previsto na Lei nº 12.527/2011 (como hoje faz a Ouvidoria do CNJ). Para tanto, devem atender e orientar o público, esclarecendo-o sobre a tramitação de documentos e protocolizando requerimentos de acesso à informação. Para cumprir essa função com desembaraço, as Ouvidorias devem ter acesso absoluto e instantâneo a todos os dados administrativos disponibilizados, possuindo conectividade com os demais órgãos do Poder Judiciário;

(II) as Ouvidorias não devem se limitar ao processamento de reclamações individuais. Devem ir além e contribuir com a gestão do Poder Judiciário, atuando de ofício como órgãos estratégicos na construção de políticas administrativas, identificando deficiências sistemáticas, gerando estatísticas e propondo soluções abrangentes. É nesse plano macro de intervenção que repousa a função mais nobre das Ouvidorias;

(III) as Ouvidorias devem privilegiar ao máximo a informalidade, pois o que vale é a informação que chega ao órgão e permite o controle de qualidade do serviço prestado, nos moldes dos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs) organizados pela iniciativa privada. Em outras palavras, as Ouvidorias devem funcionar como uma espécie de SAC do Judiciário, já que esse Poder é essencialmente fornecedor de um serviço sui generis, o serviço público de prestação jurisdicional;

(IV) as Ouvidorias devem atuar por meio de recomendações, com independência e imparcialidade no tratamento de reclamações e denúncias, atentando sempre para seu papel de órgão colaborador no aprimoramento das atividades e serviços prestados pelo Poder Judiciário;

(V) as Ouvidorias devem funcionar como um canal aberto, simplificado e desburocratizado entre a sociedade e o Judiciário. Para tanto, devem contar com uma estrutura mínima de pessoal habilitado para processar as reclamações e oferecer as respostas que o cidadão precisa de forma ágil e clara. As Ouvidorias não podem ser ilhas. Devem estar situadas em local de fácil acesso aos usuários do serviço público, preferencialmente onde a prestação jurisdicional é entregue, de modo a priorizar o contato direto e as reclamações pessoais, considerando as dificuldades das camadas de baixas renda e escolaridade a outros meios de comunicação, notadamente os eletrônicos;

(VI) as Ouvidorias devem promover a aproximação dos cidadãos com a Justiça, estimulando a participação popular na vida pública por meio de fóruns, debates e audiências públicas, transformando o dever de prestar informações em oportunidade de comunicação com a sociedade, propiciando sempre um diálogo franco e proativo, em linguagem simples e desprovida de termos técnicos, compatível com o cidadão que cobra ou critica;

(VII) as denúncias anônimas, segundo recomendação do Conselheiro Ouvidor do CNJ, devem ser processadas, pois a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Corrupção, da qual o Brasil é signatário, prevê a criação de mecanismos para assegurar a proteção e o anonimato do cidadão que denuncia a prática de corrupção em órgãos públicos. Nesse ponto, o CNJ e os Tribunais deverão promover a revisão e o ajuste de suas respectivas Resoluções aos termos da mencionada Convenção, excluindo as proibições de denúncias anônimas;

As Ouvidorias surgem no atual cenário republicano como expressão do Estado Democrático de Direito, como uma forma de exercício do poder diretamente pelo povo. Precisam ser prestigiadas e, sobretudo, incorporadas à realidade cotidiana de juízes e servidores.

Em seu discurso de posse, a nova presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão, a ilustre desembargadora Cleonice Freire, ressaltou como principal meta de sua gestão a luta por um Judiciário planejado, forte, respeitado e mais próximo do cidadão. A Ouvidoria, enquanto instrumento de diálogo do Judiciário com o povo, pode ser um importante meio para o alcance desse fim. Sigamos, pois, com a expansão do papel das Ouvidorias Judiciárias, o objetivo maior estabelecido pela nossa líder.

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