Compreender os sinais que antecedem o feminicídio é uma das principais preocupações do Poder Judiciário e de toda a rede que atua no enfrentamento, prevenção e acolhimento às vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Como forma de auxiliar nas estratégias de enfrentamento, magistradas e magistrados de todo o Brasil, reunidos no XVII Encontro Anual do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), em São Luís, lançaram a campanha nacional “Judiciário pelo fim do feminicídio”, nesta quinta-feira (13/11).

Elaborada com base na metodologia da pergunta, de Paulo Freire, a campanha propõe questionamentos e esclarecimentos às mulheres, de modo a favorecer a identificação de situações de possível risco que possam evoluir para o feminicídio. O evento que reúne cerca de 300 participantes e será encerrado nesta sexta-feira (14/11), é promovido pelo Fonavid, em parceria com o TJMA, por meio da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.
O presidente da Cemulher/TJMA, desembargador Cleones Seabra, participou do lançamento da campanha, destacando o objetivo do Judiciário de atuar de forma mais acentuada para tentar reduzir o feminicídio a zero.

É difícil, é quase impossível, mas como dizia Dom Helder Câmara, “um sonho que a gente sonha sozinho é apenas um sonho. E um sonho que nós estamos sonhando juntos se torna realidade. E aqui estão quase 400 juízes do Brasil todo sonhando esse sonho. Todo o Judiciário brasileiro contra o Feminicídio, contra a morte das nossas mulheres”, destacou.
De acordo com o presidente do Fórum, juiz Francisco Tojal, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), a conscientização é fundamental para o enfrentamento da violência de gênero.
É inconcebível que, todos os dias, quatro mulheres percam a vida no Brasil pelo simples fato de serem mulheres. A campanha ‘Judiciário pelo fim do feminicídio’ pretende, por meio da educação e da comunicação, contribuir para as estratégias de combate a esse crime”, destaca.
O magistrado ressalta que a campanha é voltada a toda a sociedade. “A violência contra a mulher é perversamente democrática. Atinge todas as esferas sociais. Mas é nas camadas mais humildes e vulneráveis que encontra suas principais vítimas: mulheres pretas e das periferias”, exemplifica.
Francisco Tojal acrescenta que a iniciativa integra uma ampla estratégia que envolve os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, além da imprensa e da sociedade civil. “É muito mais do que uma campanha, é uma mobilização nacional, permanente e inédita do Fonavid. O mote da nossa campanha é que o feminicídio não acontece de repente, ele dá sinais”, frisou o presidente do Fonavid.
A juíza Luciana Rocha, membra honorária e ex-presidente do Fonavid, destacou os objetivos da campanha nacional, mencionando as quatro fases necessárias para avaliação do risco: identificação, avaliação, gravidade e estratégias de gestão integrada em rede, avaliação continuada e monitoramento.
A rede precisa saber quais são os sinais preditivos da violência, quais são os estopins que frequentemente se repetem nos casos de feminicídio, para adotarmos as estratégias integradas. Mas não só a rede. Identificar fatores de risco é importante para a sociedade, é importante para as mulheres em situação de violência e para os homens em situação de violência”, apontou.

PALESTRA
O quarto e penúltimo dia do encontro foi marcado pelo bloco “Justiça em transformação: quais os novos caminhos para um enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher mais efetivo?”.
A desembargadora Daisy Pereira, do TJPE, brindou o público com a exibição prévia de um episódio do projeto que a instituição produz sobre a masculinidade de jovens estudantes do estado, mostrando que ela é ensinada desde cedo: na família, na escola, nas brincadeiras de rua, na novela e no celular. O vídeo propõe à família ensinar a ouvir, dividir e cuidar, para que os meninos não cresçam com a ideia de que ser homem é competir e mandar.
O painel “Políticas públicas de prevenção para garantia de acesso à justiça às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”, teve como palestrante a professora Marília Montenegro, da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Católica de Pernambuco.

Ela falou sobre o crescimento da política criminal, em detrimento das políticas públicas, nos quase 20 anos da Lei Maria da Penha. Disse ser uma reflexão importante sobre a expansão de tipos penais e o aumento das penas, que às vezes mudam o foco de prioridades.
Sobre as políticas públicas, disse ser difícil estabelecer as mais necessárias de forma geral, em razão da complexidade da temática num país com muitas regiões e diversidades, mas citou as questões da área de saúde.
Da saúde mental, das questões de dependência química, que são pontos bastante demandados nas varas de violência doméstica, tanto pelas mulheres e, inclusive, para o olhar sobre isso com relação aos homens”, explicou.
Marília Montenegro citou pesquisas que mostram o comportamento de mulheres vítimas de violência que, muitas vezes, não entendem o que se passou numa audiência de conciliação ou durante um processo.
Por outro lado, apontou a posição do agressor em audiências de custódia, que exclui a culpa de sua situação ao próprio comportamento ou a supostas ações da polícia, do Judiciário e do Ministério Público, e a atribui exclusivamente à vítima.
“Cada ato que essas pessoas fazem com relação ao tratamento desse réu, significa dizer que ele vai descontar – cada ato desse – na vítima”, avaliou.
A professora também apresentou questionamentos sobre alternativas penais, como a quem servem e quais vidas buscam preservar.
RODA DE DIÁLOGOS
Em seguida, houve uma roda de diálogos, com profissionais acadêmicas e de órgãos do sistema de justiça e de segurança pública. O presidente do Fonavid, juiz Francisco Tojal, pediu que cada uma falasse sobre suas atribuições no sistema de justiça e quais as prioridades das instituições que representam.

Dentre as colocações, a juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Suzana Hirama, disse que a instituição tem como prioridades, na gestão 2025/2027, “o enfrentamento e prevenção do feminicídio e o acesso à justiça da mulher em situação de violência”.
A doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado, Thula Pires, falou sobre a necessidade de comprometimento das pessoas envolvidas no sistema de justiça, notadamente magistrados e magistradas, antes e após as decisões judiciais. Disse que ter responsabilidade com as decisões não é algo que termina a partir do momento em que a sentença é proferida. Entende que é preciso se envolver com muitos dos aspectos que fazem com que o caso tenha acontecido.
Pensar em prevenção faz parte, porque é um pouco pensar o que está gerando essa porta de entrada – e como pensar essa porta de entrada e como alterar essa porta de entrada. E a porta de saída não se dá no fim da sentença. Precisa pensar em modos de acompanhamento desses processos, que não sejam só protocolares, no modelo ‘lavei as mãos, proferi a sentença, fiz o melhor que eu pude’”, explicou.
Também participaram da roda de diálogos, a presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid), desembargadora Nágila Brito, do TJBA; o presidente do Fonavid, Francisco Tojal; a chefe do Setor de Enfrentamento à Violência Doméstica de Familiar da Cevid/TJRR e presidente do Colégio de Equipes Multidisciplinares, Aurilene Mesquita; e a coordenadora-geral de Garantia de Direitos e Acesso à Justiça do Ministério das Mulheres, Ana Maria Martinez, além da palestrante Marília Montenegro.
Depois foi a vez da exposição de enunciados nas áreas de Medidas Protetivas e Cível, Criminal e Processual, Legislativo e Multidisciplinar. À tarde, foram realizadas as oficinas nas mesmas áreas.
Coordenadora da exposição sobre Medidas Protetivas e Cível, a juíza Lúcia Helena Heluy, da 2ª Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Luís, do TJMA, disse que os enunciados elaborados – recomendações e diretrizes utilizadas no cotidiano sobre interpretações da Lei Maria da Penha – visam ajustar a prática à lei.

“É a nossa prática se ajustando, servindo como diretriz para mais juízes. E a gente vai depois, aos poucos, esperando a lei se ajustar a esse entendimento que nós adotamos”, explicou a juíza.
Acesse aqui o álbum completo produzido pelo fotógrafo Ribamar Pinheiro
Agência TJMA de Notícias
asscom@tjma.jus.br
(98) 2055-2024