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MULHERES NEGRAS | Servidoras públicas do Judiciário falam de suas experiências e desafios profissionais

27/07/2020
AMANDA CAMPOS

Em reconhecimento ao protagonismo da mulher negra, presente em diversas áreas do Judiciário maranhense, o Tribunal de Justiça, por meio do Comitê Estadual de Diversidade e da Assessoria de Comunicação do TJMA, promove uma série especial de matérias sobre  histórias e experiências de vida diversas de mulheres na Justiça estadual. 

A iniciativa faz alusão ao Dia da Mulher Negra (25 de julho). A data celebra e marca a resistência e o protagonismo de mulheres  guerreiras brasileiras, latinas e caribenhas que se mantêm atuantes contra as mazelas do racismo estrutural e estruturante, ainda presente na nossa sociedade. 

O Judiciário maranhense, por iniciativa do Comitê de Diversidade, instalado pelo presidente da Corte, desembargador Lourival Serejo, e coordenado pelo juiz Marco Adriano, abraça, de forma sensível, a causa das mulheres negras, expressando apoio irrestrito a todas elas.

Nesta terceira matéria da série, as entrevistadas são as servidoras: Ana Rosa Oliveira da Silva, auxiliar judiciária, lotada na Comarca de Pedreiras; Edith Bezerra Sousa, auxiliar judiciária, da Diretoria do Fórum de Imperatriz; Margarene de Jesus Mota Ayres, técnica judiciária, lotada na Comarca de Penalva; Ana Caroline Coelho, técnica judiciária da 2ª Vara de Pedreiras.

Ana Rosa Oliveira da Silva - Natural da zona rural de Poção de Pedras (MA), filha de agricultor e quebradeira de coco babaçu, e analfabetos, Ana Rosa Oliveira da Silva (auxiliar judiciária, lotada na Comarca de Pedreiras), afirma que ouviu os conselhos dos pais, desde cedo, e viu nos estudos a oportunidade de “conquistar um espaço no sol da vida”.

“Com tudo conspirando ao contrário, eu fiz o concurso. Quando saiu a lista dos aprovados e eu estava lá foi uma das minhas maiores alegrias, porque eu tinha a oportunidade de aprender algo extremamente novo na minha vida e ainda ter o respeito e reconhecimento de quem não acreditava que uma negra, filha de pais analfabetos, do interior do interior, sem cursinho, trabalhando três horários em sala de aula, estudando depois das aulas da noite (23h às 3h da madrugada), me senti passando no vestibular da USP”, expressa a servidora.

Dona de uma história com muitas dificuldades financeiras, Ana Rosa diz que possui “um talento especial de ver nas adversidades e nas pessoas no dia a dia que você só recebe e dá o que tem, sejam sentimentos bons ou ruins. Assim eu escolhi ser a melhor servidora que eu posso ser sem contudo deixar minhas crenças”, pontua.

Em seu depoimento, a servidora afirma que sempre teve três grandes personalidades como referências na vida: Paulo Freire (educador), Benedita da Silva e Nelson  Mandela. Hoje, ela acrescenta o seu chefe, juiz Marco Adriano, na sua seleta lista, “pelo exemplo de generosidade e sensibilidade às questões sociais, políticas e econômicas e por ser um dos poucos juízes negros no Maranhão, que se reconhece como negro”. Como conselho às mulheres negras, ela deixa: “Só com estudo e trabalho que você, mulher negra, vai vencer, quando você vai por outro caminho o preço é muito alto”.

Edith Bezerra Sousa - Dona de uma história de superação, Edith Bezerra Sousa (auxiliar judiciária, lotada na Diretoria do Fórum de Imperatriz), conta que, agora, aos 42 anos de idade, está se realizando profissionalmente, após ter lutado muito na vida como empregada doméstica e estudado para mudar de vida. "Tive que batalhar sozinha e com criança pequena, mas era minha chance, não podia perder a oportunidade de conseguir um emprego melhor, pois até então, era empregada doméstica. E hoje olhando o tempo já passado e como nossa sociedade ainda é muito machista e preconceituosa, me vejo vitoriosa pelo que consegui até aqui, e busco me superar cada vez mais, porque não são pessoas assim que vão determinar onde posso chegar”, ressalta.

Sobre situações de preconceito na vida, ela afirma que, com relação à cor não teve problemas com o certame, “depois já no exercício, aí sim, me apareceram e aparecem alguns dissabores, comentários e o mais triste, o fato de muitas vezes sermos ignorados, como se não fôssemos dignos de uma palavra sequer. Infelizmente acontece”.

Ela deixa como conselho às mulheres: “Não desista, não deixe a sociedade nem as pessoas lhe podarem ao ponto de você achar que não consegue, que é impossível para você. Não deixe de acreditar e se esforçar para conquistar. Só você pode determinar o tamanho dos seus sonhos”.

Margarene de Jesus Mota Ayres - Servidora pública, técnica judiciária, lotada na Comarca de Penalva, Margarene de Jesus Mota Ayres conta que possui uma trajetória de vida profissional, que se insere num amplo processo de superação de desafios, em uma sociedade reconhecidamente marcada pelo racismo e sexismo. 

“Por ser mulher e negra, vivencio as tramas das formas de opressão resultantes da interseccionalidade de raça, gênero e classe. Compreendo que ser servidora do Judiciário promove um deslocamento, ainda que sutil, nas estruturas institucionalizadas demarcadas pelas desigualdades raciais e de gênero. A minha trajetória, ainda é exceção, mas pode ser uma via para criarmos mecanismos de promoção de igualdade de oportunidades e instrumentos contra o racismo institucional”.

Margarene afirma sentir muito orgulho por ter sido aprovada no concurso e exercer cargo em comissão. “Exercer cargo no TJMA possibilita que eu enquanto mulher negra influencie e seja referência na vida de outras mulheres. Como trabalho em um município, com maioria da população negra e moradora da zona rural, ser e me autoidentificar como uma mulher negra faz com que o público se identifique comigo”.

Como conselho às mulheres negras, que lhe antecederam, as da geração dela e das futuras, Margarene aconselha: “eu digo que não se deixem intimidar ou subordinar. Dedicação e paixão são fundamentais, mas para superar os desafios é preciso antes de tudo sentir que sua identidade racial e de gênero são respeitadas, reconhecidas e não há limites para determinar os cargos que ocupa”.

Ana Caroline Coelho - Com sentimento de gratidão e dever cumprido, Ana Caroline Coelho (técnica judiciária da 2ª Vara de Pedreiras), filha de uma mulher negra, que com o seu dinheiro como manicure e pedicure, lhe presenteou com uma educação de excelente qualidade, abdicou de muitas coisas em sua vida para incentivar a filha. “Fui ensinada, por minha mãe e vó materna, que sendo mulher e negra, vinda de uma família com poucos recursos, seria através do estudo que alcançaria ascensão social, e consequentemente, teria uma boa profissão e independência financeira”.

A servidora pontua que “um negro ocupar um cargo público, independente do gênero, por si só, já é importantíssimo para a representatividade. Acredito que embora tenhamos tido avanços significativos, ainda há um longo caminho a ser trilhado quanto à ocupação de cargos, e também, quanto ao reconhecimento enquanto servidora, mulher e negra”.

Ela destaca a importância da dedicação e empenho, no trabalho, dos cuidados com a saúde psicológica e mental, e ainda, ressalta que é essencial buscar inspirações. “Veja a Michelle Obama, uma referência global. Ao pensar nela, percebo que, se alguém conseguiu, todos podemos conseguir. Meu conselho: tenha coragem, determinação, supere suas dificuldades, trace metas, e alcançá-las será consequência”, conclui.

Comunicação Social do TJMA
asscom@tjma.jus.br

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