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Estudo analisa fenômeno das fake news e defende regulação

DIREITO À INFORMAÇÃO

21/10/2021
Helena Barbosa

O juiz Paulo Brasil Menezes, titular da 1ª Vara de Coelho Neto, foi designado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão para coordenar o Núcleo de Combate à Desinformação no Poder Judiciário (NUCODE), instituído em julho deste ano, pela Resolução nº 55/2021, de forma pioneira entre as cortes estaduais.

O juiz será responsável pela formulação de políticas públicas no âmbito da Justiça estadual e implementação de ações estratégicas nas áreas da educação e da comunicação institucional, com o objetivo de contribuir no combate à disseminação de notícias falsificadas, distorcidas ou desconfiguradas no âmbito da Justiça estadual.

A indicação do juiz para o comando do NUCODE resultou da apresentação do projeto “InfoVip” à presidência do TJMA, inspirado em sua dissertação no curso de “Mestrado em Direitos Fundamentais em Perspectiva Nacional, Supranacional e Global”, realizado na Universidade de Granada, na Espanha, aprovada à unanimidade, com louvor.

LIVRO

A dissertação de mestrado do magistrado foi transformada no livro “Fake News – modernidade, metodologia e regulação”, relançado em agosto deste ano, no qual apresenta um panorama do fenômeno das fake news no Brasil e no mundo, com enfoque na análise dos contextos da modernidade, metodológico e regulatório.

O livro traz uma breve análise de uma das propostas de regulação das fake news, o Projeto de Lei nº 2.630/2020 – a chamada “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”) de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania – SE), que já passou pelo Senado Federal, com alterações, e hoje está em tramitação na Câmara dos Deputados.

NOTÍCIAS DESCONFIGURADAS

As ações do NUCODE vão começar pelo engajamento do público interno do Poder Judiciário no combate à desinformação, convidando todos os magistrados, servidores da ativa e aposentados e terceirizados a participar, apresentando sugestões. Em seguida, as ações do núcleo serão levadas à comunidade jurídica e à classe estudantil.

Segundo o juiz, é preciso de antemão esclarecer que as fake news não abarcam somente notícias falsas; mas também as verdadeiras que sofrem manipulação, alteração ou distorção ou, ainda, são apresentadas fora do seu contexto original. Nesse caso, diz, seria mais adequado entendê-las como “notícias desconfiguradas”, pois trazem o potencial de desconfigurar a democracia e seus componentes sociais e institucionais - seja com mentiras ou verdades fora de contexto.

Brasil Menezes sustenta que o ambiente virtual, como se apresenta atualmente, não pode continuar a ser uma “porta aberta” para proliferação de notícias desconfiguradas, simuladas e fraudulentas, com forte poder de “ferir pessoas, desacreditar instituições e desestabilizar instrumentos democráticos”, a exemplo da urna eletrônica.

REDES SOCIAIS

Nesse cenário, aponta as redes sociais como grandes disseminadoras de desinformação, pois, ao tempo que a internet possibilitou a participação deliberativa da sociedade, promoveu disparidades em seu conteúdo.

De acordo com o magistrado, as notícias desconfiguradas são carregadas de “emocionalidade e empaticidade” – daí sua popularidade, força e rapidez para se espalhar e contaminar o espaço público de debate.

“As fake news atingem o emocional das pessoas e, com isso, despertam o interesse pela notícia, atraindo o público, principalmente se veiculam emoções negativas. Mas para que a sociedade seja impactada com o conteúdo noticiado, as fake news precisam ter empatia, serem afetuosas, a fim de conseguirem acolhimento social, o que gerará convencimento e, posteriormente, compartilhamento perante o habitat da sociedade moderna: o “ecossistema do discurso on-line”, observa.

REGULAÇÃO

Desse modo, o autor assegura que a possibilidade de regulação almeja estabelecer uma maior governança e melhor accountability na moderação de conteúdo das plataformas, promovendo transparência, responsabilidade e auditoria por parte dos agentes envolvidos no espaço digital

Sobre a viabilidade de regulação futura, o juiz avalia que esse fenômeno é, hoje, um dos grandes acontecimentos da sociedade contemporânea, representando um problema complexo ou, na linguagem jurídico-social moderna, um “paradoxo”. Mas afirma que a sua complexidade não evitaria a sua regulação. Ao contrário, a estimula. Nesse sentido, garante, as fake news podem, sim, receber tratamento regulatório.

“Sabemos que não é uma tarefa simples, mas não é crível que em pleno século XXI tenhamos de conviver com um espaço público digital sem nenhuma fiscalização. Há países que já possuem regulações a respeito, como a Alemanha, que instituiu em 2017 a “NetzDG”, a sua Lei de Fiscalização de Rede, inclusive com possibilidade de moderação e remoção de conteúdo.

Mas a quem caberia regular as fake News?  Essa é uma questão crucial, ainda a ser respondida. No entendimento do magistrado, a regulamentação das fake news tem como ponto de partida a edição de uma legislação específica. Nesse caso, afirma, essa responsabilidade cabe ao Congresso Nacional.

“Caso haja sanção pelo Presidente da República, a lei em comento não abarcará todas as hipóteses possíveis para os casos de fake news, haja vista que a dinamicidade da desinformação e o aprimoramento da tecnologia, bem como a atual forma de monetizar dados comportamentais, são elementos que rapidamente colocam alguns obstáculos ao direito regulatório. No entanto, esses entraves não podem ser vistos como dificuldades invencíveis para a discussão parlamentar da matéria”, avalia.

PAPEL DA SOCIEDADE

Para o presidente do NUCODE, a sociedade é vítima diretas das fake news, mas também é uma das principais fontes para o seu combate. “O primeiro passo é a nossa mudança comportamental. Precisamos ter o compromisso constitucional de sempre analisar a veracidade de uma notícia antes de propagá-la, ou seja, fazer a checagem dos fatos, porque o direito de informar engloba o direito de ser informado”.

Diante disso, aponta a alfabetização midiática ou literacia digital como essencial para que alcançar a maturidade no uso do ambiente de rede, a fim de aprimorar o comportamento social e instituir uma consciência digital, individual e coletiva, para a proteção de nossas liberdades fundamentais.

Assessoria de Comunicação
Corregedoria Geral da Justiça
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