Poder Judiciário/memoria

História do Tribunal de Justiça do Maranhão

APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DOS 200 ANOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO

 

Milson Coutinho*

 

SUMÁRIO: 1. O Tribunal da Relação. Antecedentes. 2. Paulo José da Silva Gama. 3. Instalação da Relação do Maranhão. 4. O juramento. 5. Nome dos primeiros desembargadores da nova Relação. 6. Desembargador Antonio Rodrigues Veloso de Oliveira – primeiro chanceler da Relação. 7. Desavenças do governador com o desembargador Antonio Rodrigues Veloso. 8. O primeiro regimento da Relação. 9. Eis a história 

 

1 O TRIBUNAL DA RELAÇÃO – ANTECEDENTES

 

As lutas acerbas entre o capitão-general D. Francisco de Melo Manuel da Câmara e o Ouvidor Des. Luiz de Oliveira Figueirêdo e Almeida, bem como a necessidade de se facilitarem os recursos que do norte eram tomados, agora, para os tribunais do sul (Bahia e Rio de Janeiro), bem assim os insistentes pedidos dos principais da terra para que fosse instalado, no Maranhão, um Tribunal, terão levado D. João VI a se decidir pela criação, em São Luís, de um Tribunal da Relação.

O deslocamento da Corte de Lisboa para o Brasil alterou toda a sistemática do governo colonial, de sorte que os recursos oriundos do Maranhão, até então tomados diretamente para Lisboa, teriam agora que ser dirigidos ao Rio de Janeiro, já que Portugal se achava sob julgo francês. Daí a criação, pelo Príncipe Regente, da Casa da Suplicação do Brasil, em moldes da de Portugal, e com as mesmas prerrogativas.

Nesse lance vislumbra-se a unificação do aparelho judiciário da Colônia, que em breve seria elevada a Reino Unido, desaparecendo uma velha praxe, que era a de dois rumos diferentes para os apelos e agravos, isto é, Maranhão e Pará agravavam para Lisboa, o resto do país para o Rio de Janeiro e Bahia.

O território do Maranhão abrangia, por outro lado, larga faixa de terra, e graças aos meritórios serviços do Marquês de Pombal e seus parentes no governo-geral do Maranhão, a Capitania apresentava sensíveis progressos, em relação às demais.

Por fim, pilhas imensas de processos que corriam nos juízos de primeiro grau e a grande quantidade de presos a quem ainda não se formara culpa terão reforçado a idéia da criação da Corte judiciária, fato que em breve se tornaria realidade, para gáudio dos maranhenses e melhor aplicação da Justiça. 

John Armitage, em sua História do Brasil assevera que a criação de Tribunais no primeiro reinado veio atenuar, de modo sensível, os abusos dos capitães-generais, eles que se arvoraram em verdadeiros proprietários das infelizes capitanias para onde eram despachados.

A par disso, as Capitanias do Amazonas, Pará, Piauí, e Ceará-Grande, formando grande área territorial no norte do Brasil, igualmente andavam com seus problemas judiciários, quer no atraso dos recursos interpostos, quer na execução de decisões que necessitavam da chancela de um órgão de segundo grau.

Por essas e outras, e sendo a cidade de São Luís do Maranhão a que melhor reunia bases para a implantação do Tribunal, fez D. João baixar a Resolução de 23 de agosto de 1811, tomada perante a Mesa da Consciência e Ordens.

Logo no ano seguinte, por alvará de maio de 1812, ordenava a expedição do Regimento da Relação, que viria a se instalar em 1813, na Casa da Câmara de São Luís do Maranhão[1].

Sua instalação ocorreu no dia 4 de novembro de 1813, em magnífica solenidade a que compareceram as altas dignidades do executivo, clero e legislativo do Maranhão.

Permaneceu o Tribunal na Casa da Câmara enquanto se reaparelhava a sua sede, que é a chefatura de Policia dos dias correntes (Rua da Palma, esquina com 14 de Julho).

Antes de entrarmos nos pormenores do ato solene que instalou o Tribunal, passemos em revista a uma figura de projeção da época, o capitão-general do Maranhão, designado primeiro Governador da Relação, o Barão de Bagé.

 

2 PAULO JOSÉ DA SILVA GAMA

 

Aportou no Maranhão o Vice-Almirante Paulo José da Silva Gama em 29 de novembro de 1811, para suceder no governo a D. José Tomaz de Menezes, mais um déspota que se nivelara ao “Cabrinha”, em matéria de desrespeito e perseguições ao judiciário maranhense.

O Primeiro Barão de Bagé manteve alentada correspondência com os ministros de D. João VI, e numa dessas missivas, datada de 2 de janeiro de 1812, ao Conde de Aguiar, fazendo duras críticas às autoridades da justiça o Maranhão, contra a qual mantinha acesa luta, rematava: “... acredite V. Exa. que os povos desta capitania não têm, em geral, o espírito revoltoso e insubordinado que se lhes atribui. São tão bons vassalos como os de qualquer outra. O orgulho, a intriga, a maldade residem, aqui, unicamente nas autoridades constituídas, e mui particularmente nos magistrados. Eles foram sempre os inimigos dos Governadores e são o foco e ponto de união dos descontentes da administração dos mesmos governadores. São quem formam partidos contra eles, reunindo-se a algumas das principais pessoas do país, que por terem pleitos e demandas, precisam da proteção e amizade dos Magistrados.

O capitão-general litigava azedamente com o Ouvidor Bernardo José da Gama e contra este repisava o Vice-Almirante em carta ao Conde de Aguiar: “o povo clama geralmente contra as violências do Ouvidor interino Bernardo José da Gama”.

Tachando, por outro lado, de viciada a judicatura do Dr. Juiz-de-fora concluía o 1º Barão de Bagé: “Todos os dias chegam à minha presença requerimentos de pessoas que se queixam dos seus procedimentos arbitrários. Consta-me que a cadeia pública está cheia de presos de muito tempo, uns a quem ainda se não formou culpa, outros a quem ainda se não deu um destino”.

Referindo-se às vantagens que trariam à comunidade a instalação de um Tribunal, dizia que por esse meio “a administração da justiça vai ter mudanças vantajosas”.

Paulo José da Silva Gama era Vice-Almirante da Armada Real, Comendador da Ordem de São Bento de Aviz e foi agraciado com o título de Barão de Bagé.

No livro de juramentos dos membros do Tribunal da Relação foi ele o primeiro a tomar posse no cargo de governador do Tribunal, consoante assim dispunha artigo de lei contido na Ordenação do Código Filipino.

 

3 INSTALAÇÃO DA RELAÇÃO DO MARANHÃO

 

Em Carta de 28 de janeiro de 1813 D. João VI comunicou ao Vice-Almirante Silva Gama que havia dado um Tribunal ao Maranhão. O monarca nomeara, por outro lado, o governador da mesma Relação, no caso o capitão-general, e designara seu primeiro Chanceler-mor, o Desembargador Antonio Rodrigues Veloso de Oliveira, magistrado que já estava com ordens para viajar para o Maranhão, com a finalidade de instalar, em São Luís, aquela Corte de justiça.

Desse modo, sob as mais rigorosas formalidades, celebração de Te Deum, na Sé, reuniram-se, em sala do prédio do Senado da Câmara, as mais expressivas figuras da administração, nobreza, comércio, clero e magistratura e ali, em esplendorosa solenidade, instalaram o Tribunal da Relação. Era o dia 4 de novembro de 1813 e nos arquivos do Tribunal de Justiça encontramos o livro em que acham registrados os termos de posse e respectivos juramentos do governador, Chanceler-mor e dos cincos desembargadores que entraram imediatamente em exercício.

Varnhagen, em sua preciosa obra histórica (História Geral do Brasil, Edições Melhoramentos) registra o seguinte: “A Relação do Maranhão foi criada em virtude das resoluções de 23 de agosto de 1811 e 5 de maio de 1812, tomadas em consulta da Mesa do Desembargo do Paço: teve regimento pelo Alvará com força de lei de 13.5.1812.

“No despacho dessa mesma data saíram nomeados para a Relação: Dr. Antonio Rodrigues Veloso de Oliveira, Chanceler; Bacharéis Lourenço d’Arrochelas Viera de Almeida Malheiros, João Rodrigues de Brito, José da Mota de Azevedo, Joaquim José de Castro, João Francisco Leal, Miguel Marcelino da Gama, Manoel Leocádio Rademacker, Luís José de Oliveira e João Xavier da Costa Cardoso, desembargadores”. Gazeta do Rio Janeiro, 14.5.1812).

 

4 O JURAMENTO

 

Na conformidade do Regimento do Tribunal eram seus membros obrigados a prestar juramento no ato da investidura. O que prestou o governador da capitania e governador da Relação foi o seguinte, para aqui trasladado do original contido no livro para esse fim destinado, por sua curiosidade e original redação.

“Aos quatro dias do mês de novembro de mil oitocentos e treze, nesta cidade de São Luís do Maranhão, nas Casas do Conselho e Câmara dela, que interinamente serve de Paço da Relação pelo seu respectivo Regimento, nela foi presente o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Paulo José da Silva Gama, do Conselho de Sua Alteza Real, e do de Guerra, Comendador da Ordem de São Bento e Aviz, Vice-Almirante da Real Armada, Presidente da Junta de Administração e Arrecadação da Real Fazenda, Governador e Capitão-General desta Capitania, e Governador da Relação desta cidade de São Luís do Maranhão, e por ele foi tomada posse do lugar de Governador da mesma Relação para que foi nomeado por sua Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor, havendo-se por aberta a instalada a referida Relação do presente dia, de que para constar mandou o dito Ilm° e Exm° Senhor Governador fazer este termo, que assinou com o desembargador do Paço Chanceler desta Relação e mais Desembargadores que se achavam presentes. E eu, Joaquim da Costa Barradas, Guarda-Mor da Relação o escrevi. Paulo José da Silva Gama, Antonio Rodrigues Veloso de Oliveira, Lourenço de Arroxelas Vieira de Almeida Malheiros, José da Mota Azevedo, João Xavier da Costa Cardoso, João Francisco Leal.[2].

Os demais nomeados não entraram no exercício nesse dia, só o fazendo bem mais tarde.

 

5 NOME DOS PRIMEIROS DESEMBARGADORES DA NOVA RELAÇÃO

 

Empossado o governador do Tribunal da Relação, teve prosseguimento a solenidade de instalação da Corte judiciária, com a posse do seu primeiro Chanceler e demais desembargadores.

Neste passo, permitimo-nos uma breve digressão: é que em todos os tempos, desde o limiar da sociedade humana, houve a necessidade de alguém que dirimisse as contendas entre os homens. Esse alguém é o Juiz, conforme abalizada afirmação do Ministro Mário Guimarães.

Foi assim desde os tempos imemoriais, tendo-se notícia, através da História, de que os Trinta Sacerdotes egípcios prolatavam suas decisões judiciárias voltando o Presidente daquele Tribunal, para que a parte vencedora, a efígie da deusa da verdade Mâ, que trazia pendente em colar.

Do mesmo modo foi na Grécia e Assíria; na Índia, o Código de Manu (Livro VIII, versículo 1º) ordenava que o rei, acompanhado dos Brâmanes e de seus Conselheiros, comparecessem à Corte para julgarem as causas.

O Tribunal dos “Sofftins”, entre os judeus; e o Sinédrio ou Sanedrio instituído por Moisés eram encarregados de julgar os seus semelhantes, através dos competentes processos.

O próprio Deus, na sua infinita sabedoria, proclamava: “Juízes e Oficiais porás em todas as tuas portas que o senhor teu Deus de der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça”. (Moisés, XVI, 18).

Sim. Nas coisas da justiça, a história tem mostrado que os seus atos solenes e até a apresentação dos seus executores devam se revestir de formalidades que separem, no plano da justiça, o Juíz do réu. Daí as vestes talares; daí os formalismos dos juramentos; o especialíssimo tratamento devido ao Magistrado.

De sorte que se todos soubessem da força e da dignidade da toga e o sentido grave do seu uso, não a mercadejariam nos balcões da ignomínia e estariam, muitos dos juízes de qualquer parte do globo vacinados contra essa infecção moral – a venda de sentenças e a conspurcação da lei e do direito.

Voltemos, porém, à narrativa. O Desembargador Chanceler-Mor Veloso de Oliveira e seus colegas prestaram este longo e curioso juramento:

“Termo de Juramento que hão de tomar o Governador, Chanceler e Desembargadores que de novo entrarem na Casa da Relação:

EU. N. juro aos Santos Evangelhos em que ponho mãos, que não dei a nenhuma pessoa, nem darei, nem prometi dar, nem mandar, nem mandarei coisa alguma a alguma pessoa por causa de me ser dado este ofício e cargo, nem para ao diante ser; e assim juro e prometo que este ofício de Governador, Chanceler e Desembargador desta Relação de que ora o Príncipe Regente Nosso Senhor me fez mercê, quanto às minhas forças, próprio entendimento e verdadeiro juízo for possível, eu observarei bem, direita e fielmente, e guardarei inteiramente o serviço de Deus, e do dito Senhor e o direito e justiça igualmente às partes de qualquer natureza, sorte, estado, proeminência e condição que seja, sem fazer favor, ou agravo algum, nem muito, nem pouco, e sem ódio, nem paixão, nem alguma injustiça e exceção de pessoas e assim o juro; e prometo que as Leis e Ordenações do dito Senhor inteira e somente guardarei e as cumprirei como nelas é contido segundo o meu verdadeiro juízo; e assim juro e prometo que por mim nem interposta pessoa não receberei dádiva, presente nem serviço algum de qualquer pessoa que traga, ou a minha notícia vier que há de trazer feito algum, ou demanda perante mim, ou pender no juízo e mesa, nem em que eu possa desembargar e dar voz, salvos aqueles a que eu, por direito deva ser suspeito; e assim mesmo, que enquanto em mim for, e meu juízo alcançar, cumprirei em tudo o que ao dito meu cargo, e ofício pertencer sem míngua alguma; e assim prometo ter segredo daquelas coisas que, descobrindo-se, seria prejuízo ao dito Senhor, e ao meu serviço, e ao bem da justiça das partes; e assim não requererei por pessoa alguma na dita Relação, salvo por aquelas para o que a Ordenação me dá lugar que eu possa fazer”, etc. etc.

 

6 DESEMBARGADOR ANTONIO RODRIGUES VELOSO DE OLIVEIRA: primeiro Chanceler da Relação

 

No pequeno livro vermelho de juramento e posse dos Desembargadores do Tribunal, mandado abrir pelo Des. Veloso de Oliveira, às folhas 4, lê-se que o ilustrado Ministro de Sua Alteza Real pertencia ao Conselho do Príncipe Regente, era comendador da Ordem de Cristo, fidalgo cavaleiro da Casa Real, Desembargador do Paço, Deputado da Mesa da Consciência e Ordens, Juíz Conservador da Nação Britânica[3], em todo o distrito da Casa da Suplicação do Brasil e primeiro deputado da Junta da Administração e Arrecadação da real fazenda da Capitania do Maranhão.

O Primeiro Chanceler da Relação maranhense era natural de São Paulo, sendo filho de José Rodrigues Pereira.

Matriculou-se em matemática, em Coimbra, em 22.10.1773; em direito no ano de 1774 e em filosofia em 1775. Formou-se em direito a 15 de maio de 1779. Foi juiz de direito da ilha da Madeira, desembargador do Paço e primeiro chanceler da Relação do Maranhão.

Homem de conhecida cultura, escreveu em 1810 u’a “Memória sobre o melhoramento da Província de São Paulo, aplicável em parte a todas as outras províncias da Brasil, etc.

A obra foi publicada no Rio de Janeiro, Tip. Nacional, 1822, in 4º, reproduzida na Rev. do IHGB, nº 31, parte 1ª, 5/106.

Escreveu também uma Divisão Eclesiástica do Brasil (1819), RIHGB, nº 27, parte 1ª pp. 263/269; A Igreja no Brasil ou informação para servir de base à divisão dos Bispados projetada no ano de 1819, com a estatística da população do Brasil, etc.(Anaisfluminensesde ciência, (1822) 57/115, com mapas. Reimpressa na RIHGB nº 29, parte 1ª pp.159/199. Escreveu também u’a Memória sobre a agricultura no Brasil, in RIHGB, nº 36, pp. 91/133.

O ilustre magistrado defendeu com energia a chamada “escravidão hereditária da raça africana”, pronunciando-se em favor dos negros, e ao lado de Hipólito da Costa, combateu a idéia de se estabelecer a capital do Império em porto de mar.

Na qualidade de Deputado geral em 1823, subscreveu o parecer da Comissão da Instrução pública da Assembleia geral constituinte, criando duas universidades no Brasil: uma em São Paulo e a outra em Olinda “as quais se regerão provisoriamente pelos estatutos da Universidade de Coimbra”.

A idéia dessas universidades partira do deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro, depois Visconde de São Leopoldo.

Era o Des. Veloso de Oliveira homem pio, sendo, no Maranhão, um dos grandes benfeitores da Santa Casa da Misericórdia, na qualidade de seu Provedor. A requerimento seu a D. João VI, concedeu o monarca, à instituição maranhense, todos os privilégios dados às suas congêneres do Rio de Janeiro e Lisboa.

Chegou o Chanceler a São Luís do Maranhão no navio de guerra “São João Magnânimo” no dia 7 de outubro de 1813.

Após instalada a Relação coube-lhe, por ordem régia, presidir à devassa contra o devasso governador e capitão-general D. Francisco de Melo Manuel da Câmara, o “Cabrinha”, de que resultou severa punição contra o atrabiliário governante, conforme vimos anteriormente.

 

7 DESAVENÇAS DO GOVERNADOR COM O DESEMBARGADOR ANTONIO RODRIGUES VELOSO

 

A princípio acordes, não poderia, porém, durar, a compreensão entre o Judiciário e o Capitão-General, isso por questiúnculas que, até parecem ridículas.

Lemos num dos grossos livros de registro de correspondências, nos arquivos do Tribunal, as cartas enviadas pelo Chanceler a Dom João VI. E em pesquisas diversas colhemos as missivas do Vice-Almirante à Corte. O Desembargador a queixar-se do Governador por questões de cadeiras de espaldar na Igreja da Sé e o Governador de que o Chanceler estava a lhe desconhecer a autoridade para exigir informações por despachos, em autos.

Ciente de tais ocorrências o Príncipe Regente, com data de 14 de novembro de 1814, despachou Aviso para a Capitania, dizendo que o Chanceler era obrigado a informar as petições com despacho do Governador Paulo da Gama e que nas Igrejas não havia assento diferente dos demais Desembargadores. Por fim, que o Governador poderia chamar o Dr. Veloso de Oliveira, a Palácio, por simples Carta do Secretário, quando assim conviesse ao serviço público.

Esse franco apoio do Monarca ao Capitão-General teria provocado natural desgosto no Chanceler, tendo este requerido licença para retornar à Corte, o que veio a obter por decisão Régia de 19 de setembro de 1817.

Em fevereiro de 1818 regressou ao Rio, ali reassumindo seu cargo de Desembargador do Paço.

Culto e diligente, e ao estourar a Revolução do Porto de 1820, Dom João VI, por Decreto de 23 de fevereiro de 1821 designou o Desembargador Veloso de Oliveira, e outros ilustres representantes, “para, em Junta de Cortes, se tratar das leis constitucionais que se discutem nas Cortes de Lisboa” [4].

 

8 O PRIMEIRO REGIMENTO DA RELAÇÃO: (5.5.1812)

 

Para finalizarmos o capítulo referente ao Tribunal da Relação e seu primeiro Chanceler, acrescente-se que em seu Regimento era previsto um Capelão e um médico e que os primeiros a ocuparem aquelas funções foram Frei José Antonio do Vale e o Dr. Joaquim José Rodrigues de Melo, respectivamente.

De igual modo os primeiros Desembargadores do recém-instalado Tribunal foram os Bacharéis Antonio Rodrigues Veloso de Oliveira, Lourenço de Arroxelas Vieira de Almeida Malheiros, José da Mota Azevedo, João Xavier da Costa Cardoso e João Francisco Leal. Este último viria a desempenhar saliente papel nas lutas pela Independência política do Maranhão, conforme se verá em lugar próprio.

Quanto ao primeiro Regimento da Relação, rebuscando os arquivos do Tribunal de Justiça, deparamo-nos com o grande Livro onde se o transcreveu e data de 5 de maio de 1812. Foi outorgado por Dom João VI.

Encerra em seu contexto verdadeiro Código de Organização Judiciária, exemplar ontologia de princípios éticos e bela página de civismo. Trata do Governo da Relação, explicando quais os recursos a serem interpostos e os Alvarás que deverão se observar a área de jurisdição do Tribunal as atribuições dos desembargadores e dos ouvidores (crime-cível), cuida das vestes talares e do espaço de seis anos para o exercício do cargo.

Dispõe o regimento das atribuições do chanceler, nas suas funções de direção da Casa, assim como das atribuições dos desembargadores.

O Título V institui a Ouvidoria e os deveres do Ouvidor do Crime. O VII refere-se ao Ouvidor do Cível. O VIII determina a atribuição do Promotor da Justiça que será um dos desembargadores.

O Título mais curioso é o X, por cuidar das “Mesas em que se devem despachar alguns negócios pertencentes ao Tribunal do Desembargo”. E é aqui que o Executivo anda de mistura com o Judiciário e cujo “casamento” é ali cuidadosamente ordenado no ser e no fazer.

 

9 EIS A HISTÓRIA

 

São esses os dados históricos referentes à instalação da Relação do Maranhão, em 4 de novembro de 1813.

Após 200 anos de existência, vale a pena conhecer e refletir sobre a evolução do Poder Judiciário deste Estado, com suas crises e acertos, preocupando-se em distribuir a justiça que os cidadãos procuram.

Estamos de parabéns ao comemorar o bicentenário do nosso Tribunal de Justiça, homenagendo, nesta data, todos aqueles que o serviram ao longo desses dois séculos de existência.

 

* Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

 

 

REFERÊNCIA

 

COUTINHO, Milson. Apontamentos para a história judiciária do Maranhão. São Luís: Edições SIOGE, 1979.

 


[1] “Eu, o Príncipe Regente faço saber aos que este Alvará com força de lei vierem: Que havendo por bem dos habitantes das Capitanias do Maranhão e do Pará, mandando criar uma Relação na cidade de São Luís do Maranhão, pelas minhas Reais Resoluções de 23 de agosto do ano próximo passado”, etc.  

[2]  Designado pelo Tribunal, Ouvidor do crime, o Desembargador João Francisco Leal fez instalar, no Largo da Forca Velha (hoje Praça da Alegria), uma forca onde se executavam os condenados. Essa sinistra solenidade teve lugar a 15.2.1815.

[3] Competência para julgar, no Brasil, os súditos ingleses.

[4] NABUCO, LEGISLAÇÃO BRASILEIRA, vol. III, p. 148.

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